Mas, senhores, se é isso o que eles vêem, será
isto, realmente, o que nós somos? Não seria o povo brasileiro mais do que esse
espécimen do caboclo mal desasnado, que não se sabe ter de pé, nem mesmo se
senta, conjunto de todos os estigmas de calaçaria e da estupidez, cujo voto se
compre com um rolete de fumo, uma andaina de sarjão e uma vez d’aguardente? Não
valerá realmente mais o povo brasileiro do que os conventilhos de advogados
administrativos, as quadrilhas de corretores políticos e vendilhões
parlamentares, por cujas mãos corre, barateada, a representação da sua
soberania? Deverão, com efeito, as outras nações, a cujo grande conselho
comparecemos, medir o nosso valor pelo dessa troça de escaladores do poder, que
o julgam ter conquistado, com a submissão de todos, porque, em um lance de
roleta viciada, empalmaram a sorte e varreram a mesa?
Não. Não se engane o estrangeiro. Não nos enganemos
nós mesmos. Não! O Brasil não é isso. Não! O Brasil não é o sócio de clube, de
jogo e de pândega dos vivedores, que se apoderaram da sua fortuna, e o querem
tratar como a libertinagem trata as companheiras momentâneas da sua luxúria.
Não! O Brasil não é esse ajuntamento coletício de criaturas taradas, sobre que
possa correr, sem a menor impressão, o sopro das aspirações, que nesta hora
agitam a humanidade toda. Não! O Brasil não é essa nacionalidade fria, deliquescente,
cadaverizada, que receba na testa, sem estremecer, o carimbo de uma camarilha,
como a messalina recebe no braço a tatuagem do amante, ou o calceta, no dorso,
a flor-de-lis do verdugo. Não! O Brasil não aceita a cova, que lhe estão
cavando os cavadores do Tesouro, a cova onde o acabariam de roer até aos ossos
os tatus – canastras da politicalha. Nada, nada disso é o Brasil.
O QUE É O BRASIL
O Brasil não é isso. É isto. O Brasil, senhores,
sois vós. O Brasil é esta assembleia. O Brasil é este comício imenso de almas
livres. Não são os comensais do erário. Não são as ratazanas do Tesoiro. Não
são os mercadores do Parlamento. Não são as sanguessugas da riqueza pública.
Não são os falsificadores de eleições. Não são os compradores de jornais.
Não são os corruptores do sistema republicanoNão
são os oligarcas estaduais. Não são os ministros de tarraxa.Não são os
presidentes de palha. Não são os publicistas de aluguer.Não são os estadistas
de impostura.Não são os diplomatas de marca estrangeira. São as células
ativas da vida nacional. É a multidão que não adula, não teme, não corre, não
recua, não deserta, não se vende. Não é a massa inconsciente, que oscila da
servidão à desordem, mas a coesão orgânica das unidades pensantes, o oceano das
consciências, a mole das vagas humanas, onde a Providência acumula reservas
inesgotáveis de calor, de força e de luz para a renovação das nossas energias.
É o povo, em um desses movimentos seus, em que se descobre toda a sua
majestade.
Rui Barbosa
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